segunda-feira, 28 de junho de 2010

Falando Sério

Por Matheus Zanon 

“É só pensar em coisa boa que a gente voa. Pense numa coisa bem linda”, Alexandre Rajão,14 .  
ASSASSINADO no dia 20 de junho de 2010


Mais uma vez parei para ler os jornais. E me choquei. Como pode? Confesso que não consegui me conter e tive que usar a manga da blusa para secar os olhos. São em horas como essa que passam um filme na cabeça, de toda a vida, de tudo que passou. E uma voz incomôda, talvez a da consciência, talvez a do medo, diz: podia ter sido você.
Ainda custo a acreditar que uma barbáridade como está aconteceu. Três jovens, de 22 e 23 anos, espancaram e estrangularam uma criança de 14 anos. Os jornais apontam que o menino, chamado Alexandre Rajão, era gay. Não importa. Podia ser tudo, mas nada justifica a agressão e o assassinato de um jovem que começava a viver.
Rodei jornais buscando alguma explicação para o crime. E me deparei com a frase que abre esse post. Já a tinha lido na página do Orkut de Alexandre, mas não tinha dado muita importância para ela. É só pensar em coisa boa que a gente voa. Pense numa coisa bem linda”. Desculpe Alexandre, nesse momento não consigo pensar. Só consegue pairar no meu coração uma raiva indignada por mais um (e que não seja no sentido perjorativo da expressão) vítima do ódio irracional de pessoas que não querem saber.
Muito já se falou sobre o crime, muito já se falou sobre homofobia, que pode ser a causa do crime. Meu recado talvez vá para as mães, para aqueles que insistem em dizer que é pecado e que vamos para o inferno. Talvez seja só um recado pra mim mesmo.

Não imagino a dor de se perder um filho. Não tenho um e talvez nunca venha a ter. Mais imagino a dor de um filho que luta todos os dias contra si mesmo e contra a sociedade. Imagino a dor de ouvir diariamente que vou para o inferno, que tenho que aceitar Jesus e estarei curado. Mas, obrigado. Não necessito ser curado. Também não faço questão de ir para o céu se lá só entra quem está de acordo com os critérios de Vossas Senhorias.
Ser gay não é transar com pessoas do mesmo sexo. Ser gay é amar e ter medo. Muito mais ter medo do que amar. Medo de andar na rua e ser espancado. Medo de amar e não ser correspondido, ou então ser exposto. Medo de não ser amado pelos pais, amigos, professores, familiares, e o resto da sociedade que não se conhece. Ser gay é acordar todo o dia tendo a certeza que o dia vai ser um pouco mais difícil do que já é a vida de todo mundo. Ser gay é ser uma maioria minoritária. É ser marginalizado, taxado de promíscuo, ser proibido de doar sangue e de dar as mãos e trocar beijos em público. Ser gay é chegar em casa e ter no seu travesseiro a única confiança. Ser gay é difícil.
Pais, mães, irmãos... Não julguem. Não critiquem. Só abram os braços e deixem-se amar. Um dia, quem sabe, não é o seu filho que será amparado por um anjo. E nesse dia será tarde demais para dizer: Eu te amo. Acreditem. Muitas das vezes é só isso que seu filho quer. Não interessa se ele é gay ou não. Não perca seu tempo recriminando, quando muitas vezes o amor pode mudar tudo. Deixe seu filho, irmão, amigo, saber que pode contar com você. Você é a única pessoa que ele tem.
Eu aprendi a enfrentar o mundo e conquistar o respeito dos meus pares. Mas antes disso tentei me matar, fugir, fazer as pessoas me odiarem, me odiar... Muitos não conseguem chegar a fase de se respeitar. Afinal, ser gay é muito difícil.
E os pastores ainda pregam nas igrejas que ser gay é pecado, que vamos todos para o inferno e lutam pelo retrocesso nos direitos civis para os homossexuais. Mas acolhem em seus braços assassinos que se dizem arrependidos e para eles prometem um lugar no céu. Pastores, quem é o pecador? Aquele que peca por amar demais ou aquele que peca pelo ódio? Eu sei minha resposta. Basta vocês procurarem a de vocês.

Para fechar, reproduzo o depoimento da mãe de Alexandre. Uma mãe como a nossa, mãe de um filho como o seu.
'Mataram uma criança’

Eu só quero justiça. Mataram uma criança de forma brutal. Meu filho só tinha tamanho, na verdade ele era uma criança grande e doce. Queria ficar frente a frente com esses assassinos para saber por que fizeram isso com ele. A dor que estou sentindo é inexplicável. A pessoa que comete um crime tão brutal quanto esse não tem idéia da dor que causa em uma mãe. O momento mais difícil foi o de reconhecer o meu filho que estava com o rosto completamente desfigurado. Estou me sentindo só.Entrar em casa e ver as coisas do meu filho no quarto me causa muita revolta. Ele era um ótimo filho que acreditava no amanhã. Todos os dias me pagava no colo, me beijava e dizia que me amava. Ele queria ser engenheiro. Esses assassinos me privaram de ser amada. Nunca tive notícias de que meu filho tenha se envolvido em brigas, até porque ele não saberia se defender.
Quando imagino que meu filho foi espancado e não teve a menor chance de defesa, isso me revolta. As pessoas precisam ser livres, independente de usarem verde, amarelo ou vermelho. Pessoas preconceituosas precisam ser banidas da sociedade. Não sabia da existência desse grupo assassino em São Gonçalo. A gente sempre acha que uma violência como essa nunca vai nos atingir, até que nos vemos em meio a ela. Meu filho não tinha preconceitos. Ele tinha apenas amor no coração. Quando pequeno, participava da igreja católica, mas, ultimamente, acompanhava o tio na igreja evangélica. Tenho certeza que ele está nos braços de Deus e aqui na terra vou lutar para que a justiça seja feita”.
Angélica Vidal Ivo, 40, mãe de Alexandre 

Leiam mais em: Homofobia já era
                        Carlos Lima

4 comentários:

Anônimo disse...

Ser humano está difícil. Que mania de rotular a toda gente: gordo é preguiçoso, loira é burra, idoso é incapaz, preto é bandido, e assim vai longe... um absurdo o caso de Alexandre, mas a menina riquinha que matou os próprios pais já está livre... o juiz que roubou a previdência também. Absurdos da incoerência humana, cada um quer ser algo diferente, incomparável, dede que seja todos iguais. Doi na alma ser do gênero masculino. Tenho vergonha de ser homem!

Elmo Serra disse...

As palavras me faltam e em seu lugar só restaram as lágrimas.

Anônimo disse...

Olha...li o comentario e o relato da mãe e fiquei sem palavras.
Não será um conforto dizer isso a ela, mas é o que tenho no coração...
Ser gay é muito difícil...ele, embora morto brutalmente esta nos braços do Pai.
Todos os dias, renuncio esta vida, desprezo meus dias, nao sinto prazer em viver...e o "meu espinho na carne" é justamente esse...ser gay.
Creio eu que talvez seria um ser humano melhor, se nao tivesse esse desejo, porque nao posso assumi-lo...dai ele se torna um monstro que me sufoca todos os dias...
Infelizmente perdi a verdade...
me pergunto quem sou eu?
E chego ao ponto de achar que devo ser um monstro que jamais se lembraria de Deus se fosse hetero.
Sei lá sabe,tenho 30 anos...perdi a adolescencia e a juventude na busca por um grande amor...e entro na maturidade certo de que se a vida fosse opcional jamais gostaria de ter vindo a esse mundo assim...

Débora disse...

Conheço Angélica pessoalmente e fiquei chocada com a morte brutal de Alexandre. Que a justiça seja feita e que Deus dê forças para Angélica e seus pais que sempre se esmeraram na criação dele.Rezo a Deus por justiça e que este não seja mais um caso impune no Brasil.