segunda-feira, 12 de abril de 2010

Conversa Fiada

"Um mais um é sempre mais que dois"


Minha mãe tem uma amiga chamada Maria, que é faxineira no tribunal onde ela trabalha.

Maria morava no Morro do Bumba.

Maria não perdeu a vida, não perdeu familiares, filhos, bichinhos de estimação. Perdeu amigos, vizinhos, a casa, a esperança, a alegria de viver.

Além de aproximadamente 200 pessoas, dezenas de casas, igrejas, creches, pizzarias, bares, o deslizamento que ocorreu na semana passada na comunidade do Cubango - praticamente meus vizinhos -, soterrou as esperanças de outras milhares de pessoas. Não só suas esperanças, mas também sua fé, seu suor, vidas inteiras de muito trabalho, materializadas nas casas humildes e pouco mobiliadas que, por falta de opção, foram sendo construídas ao longo dos anos sobre um antigo "lixão", há muito desativado.

Na quarta-feira acordei com minha mãe saindo para o trabalho que, desolada, me disse:

- Tá escutando esse barulho? É um helicóptero. Eles estão passando aos montes desde cedo, além das ambulâncias. O morro que Maria morava deslizou; ela me ligou cedo, aos prantos, para me contar.

Ainda sem saber o que sentir ou pensar, respondi:

- Tsc... Que merda.

E voltei a dormir.

Quando finalmente despertei, liguei na Globo News - ainda com o som dos helicópteros passando, quando em vez - e aí sim pude ver a dimensão da tragédia que, apesar de não atingi-la diretamente, abalou profundamente minha mãe.

Durante todo o dia acompanhei as notícias que eram divulgadas ininterruptamente sobre os deslizamentos que aconteceram não só em Niterói, mas também no Rio, em São Gonçalo e Deus sabe onde mais. Ainda sem saber o que pensar, assistia perplexa ao número de mortos e desabrigados que aumentava a cada bloco dos jornais ou a cada clique do mouse.

À noite, conversando com minha mãe ela me disse para nunca perder nenhuma oportunidade que eu tivesse de fazer o bem a alguém. E explicou: em dezembro de 2008, o grupo espírita que frequentamos recebeu doações excessivas de brinquedos no Natal e acabaram sobrando alguns presentes que ela resolveu dar à Maria - sua amiga do início do texto - para que ela os levasse à sua comunidade, no Morro do Bumba, para distribuir às crianças que ela tanto amava. Foram vinte e cinco brinquedinhos novos que Maria teve a oportunidade de presentear a vinte e cinco crianças e fazer o Natal delas um pouco mais feliz.

Em dezembro do ano passado, quando se aproximava o Natal, Maria perguntou à minha mãe se, mais uma vez, havia sobrado presentes. Infelizmente, em 2009, a fartura não foi tanta. Minha mãe, porém, decidiu doar os brinquedos ela mesma e assim o fez. Mandou para Maria os vinte e cinco presentes, além de material para fazer um bolo e alguns refrigerantes e pediu à sua amiga que reunisse as crianças e cantasse, com elas, parabéns para Jesus. Foram vinte e cinco brinquedinhos novos que Maria teve a oportunidade de presentear a vinte e cinco crianças e fazer o Natal delas um pouco mais feliz.

Na quarta-feira soubemos que para treze dessas vinte e cinco crianças aquele foi o seu último Natal.

Ainda sem saber o que pensar, deixo registrada aqui a minha tristeza. E fica, para quem quiser, o conselho da minha mãe: nunca perca nenhuma oportunidade que tiver de fazer o bem a alguém. Se você não sabe por onde começar, ou quando, ou como, o Canto do Rio precisa de voluntários, doações e muita boavontade - que agora se escreve sem hífen.

A oportunidade está aí, aproveitem.



--> Música da semana: Sal da terra - Beto Guedes

3 comentários:

Giulai disse...

Mto bom Lívia!
Então? Vamos ajudar então??

Sara disse...

Nossa, adorei!! Minha mãe vinha me falando do seu blog há um tempo, e só agora vim conferir! Esse texto está impecável e eu não podia concordar mais!
Aqui em casa foi a mesma coisa. Minha mãe ficou extremamente sensibilizada com a história, embora não tenha sido afetada diretamente. Ela assistia à todas as matérias sobre o assunto, lia tudo no jornal. Eu sou mais fracote - não gosto de ficar vendo muito essas coisas de tragédia. Vejo uma vez pra me informar e depois não consigo ver muito mais. Mas é isso aí, nunca se pode perder a oportunidade de ajudar alguém, por menor que a ajuda seja. Pena que nem todo mundo pense assim!! O mundo seria certamente muito melhor.
Enfimm, parabéns Livia, muito legal mesmo seu blog!! Beijocass

Bruna Miragaya disse...

Sabe, Lí, os assuntos, quando muito "batidos" (mesmo que muito sérios) acabam não tendo mais efeito sobre mim. Mas em casos como esse, não. Toda vez que vejo um depoimento de alguém que perdeu casa, familiares etc, choro, fico sem chão, como se fosse uma grande amiga falando pra mim de toda aquela tristeza. Imagino como deve ser desesperador e como deve arrancar toda fé e luta de uma vida assim, num piscar de olhos. É muito triste mesmo, mas se mais pessoas pensarem como sua mãe, o bem sempre vencerá. (: