segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Conversa Fiada

“Será que é tempo que lhe falta pra perceber? Será que temos esse tempo pra perder?”


Voltando da faculdade, dia desses, começou a tocar no meu mp3 a música Bye, bye, da Mariah Carey, e me lembrei do meu avô. Bateu uma saudade dele e resolvi passar pela rua onde morávamos – nos mudamos há quase um ano –, para ver se ainda conseguia visualizá-lo no portão, com a mão no bolso, tamborilando suas moedinhas enquanto observava o movimento.
Quando passei, não só consegui “vê-lo”, como me passaram pela memória vários momentos maravilhosos que vivi ali. E não foram poucos, nasci e cresci naquela casa. Foram 19 anos.
Nós a vendemos para uma construtora e havia alguns homens lá trabalhando. Já começaram a quebrá-la. Não há mais teto, nem janelas, muito menos portas. Não consegui conter as lágrimas e caminhei até em casa chorando, com uma vontade incontrolável de voltar lá e pedir a alguém que me deixasse entrar e andar pelos cômodos vazios de móveis, de pessoas, de vida, mas cheios de lembranças.
Liguei para um amigo que mora perto e o convidei a fazê-lo comigo, mas quando chegamos lá, já não havia mais ninguém. Impelido pela vontade de reviver alguns momentos também, ele subiu no muro e retirou a viga de ferro que prendia o portão e entramos. Assim, no maior estilo "breaking and entering" - só que sem a parte do breaking.
Entramos pelo portão que dava na casa dos meus avós, que ficava nos fundos do terreno onde morávamos. Nunca imaginei que as coisas pudessem acontecer como nos filmes, mas ao passar por aquele corredor cheio de restos de obra e de mato, consegui visualizá-lo perfeitamente como era antes, com as flores, as árvores, limpo e iluminado como sempre.
A casa dos meus avós já não era mais a mesma. É incrível como, na ausência de pessoas, o limo toma conta de um lugar. Havia mangas caídas no corredor lateral, da mangueira que sempre nos presenteou com as mangas mais suculentas que já experimentei. A caramboleira estava feia, descuidada. As bananeiras do quintal dos fundos caíram, estavam tombadas. Mas para mim, foi como se há 10 anos atrás. Eu adorava subir no canteiro das árvores e ficar lá de cima, olhando para baixo.
Meu amigo lembrou-me de um ano em que passamos toda a comemoração do aniversário da minha avó sentados na varanda dos fundos, conversando, eu, ele e outra amiga. Nessa época fazíamos tudo juntos, o tempo todo. Eu me lembrei das muitas vezes em que, quando criança, ficava nessa varanda brincando de ser astronauta, sentada no chão, com um banquinho à minha frente onde eu colocava uma folha de papel com diversos botões desenhados.
Ao entrar pela cozinha, apesar da ausência dos móveis, ela me pareceu menor que o normal. A sala, sem os quadros, não tinha o mesmo brilho. A sala de TV não tinha o meu avô. Seu quarto, menos ainda. O quarto da minha avó não tinha a atmosfera acolhedora de sempre. A varanda da frente não tinha as cadeiras onde muitas vezes passei a tarde ao lado dos meus amados, conversando.
Ao contrário de tudo isso, no chão, apenas destroços. Na memória, o dia em que, com saudade da minha mãe, passei a tarde alternando entre os quartos dos meus avós, observando-os enquanto dormiam. Ou as vezes em que chegava à sua casa e encontrava meu avô sentado no banco do jardim descascando laranjas da terra para fazer o doce de laranja da terra mais doce que há. Ou as vezes em que me dava vontade de comer chocolates e eu ia até lá, buscá-los nas profundezas da cristaleira da sala. Ou as tardes que passei sentada à mesa, jogando – exaustivamente – partidas de buraco com minha avó e sua amiga.
Passamos pelo quintal que ligava as duas casas e lembrei dos meus cachorros que já morreram. Lembrei de quando ensinei meu cocker spaniel a buscar a bolinha e devolvê-la, chantageando-o com biscoitinhos. Ou do dia em que ganhei meu boxer, de surpresa. A imagem dele, novinho e “pequeno” saindo de sua casinha está intacta na minha memória.
Entramos na minha casa. Na cozinha, lembrei das vezes em que meu cocker aparecia à porta com a orelha em cima da cabeça e me fazia rir aos montes. O banheiro, que havíamos reformado pouco antes de nos mudarmos, estava verde como antes. Na sala, senti falta do piano. Lembrei das tardes em que meu avô aparecia na janela para perguntar se estávamos todos bem. Ele sempre se anunciava com o som das moedinhas no bolso, mas quando não ouvíamos, ele assobiava. Senti falta da árvore de natal, montada no canto e da sala cheia, fosse de amigos, ou familiares, ou os dois. Na varanda, lembrei da tarde em que me sentei no balanço e li, emocionada, a carta mais bonita que já recebi. No quarto dos meus pais, os armários embutidos ainda resistiam bravamente. Agora, a cama mais confortável que um dia existiu no mundo, estava podre e quebrada. No quarto dos meus irmãos e no meu, uma enorme poça d’água. Lembrei das muitas vezes que fechamos as janelas dos dois quartos e, com os amigos, mesmo naquele espaço reduzido e cheio de móveis e quinas, brincávamos de cabra-cega, felizes como alguém que ganhou na loteria.
No meu quarto ainda havia uma pilha de revistas que deixei para trás, um pé do meu all-star vermelho e minha sapateira velha. Lembrei de como detestava aquele quarto. Aliás, frente à proposta da construtora, fui uma das pessoas que mais lutou por essa mudança. Hoje, apesar de viver em uma casa muito maior e mais confortável, sinto falta do quarto que tanto detestei.
Eu sempre tive a vontade - um tanto cinematográfica - de, um dia, colocar meu filho no carro, dirigir até a casa onde cresci e falar para ele: “Foi aqui que a mamãe cresceu.” E poder contá-lo, detalhe por detalhe, como era a casa e a vida “naquele tempo”, para que ele pudesse imaginar como bem entendesse. Doeu perceber que não poderei fazer isso.
Nessa rua onde cresci, nos últimos dois ou três anos, foram construídos quatro prédios e há mais dois em construção. Nada mais ali se assemelha ao que era, quando eu era criança e ainda brincava na rua com meu irmão mais velho e a nossa turma.
Ontem, voltando do Rio com minha mãe, ouvíamos à música que dá título ao post dessa semana e ela me falou que agora, com a maturidade que tem, ela vê que as coisas passam muito rápido, a vida passa muito rápido. Temos que nos lembrar sempre de aproveitá-la, senão, daqui a pouco, ela muda. E aí não tem mais volta.


--> Música da semana: Paciência – Chicas (mais uma vez, a original é do Lenine, mas a delas é mais bonita)

2 comentários:

Melina disse...

takilpa hein, so tem música das chicas nisso, vou te apresentar uns cds diferentes.

May Guimarães disse...

Chicas!!! É viciante mesmo e elas nos faz lembrar de varias coisas com suas canções...