terça-feira, 4 de agosto de 2009

Arteculando

Na ultima terça-feira (28) minha tia-avó completou seus 90 aninhos... Uma debutante da melhor idade com direito a uma reuniãozinha com as amigas de infância... rsrsrsrs
Já podem imaginar no que deu não é? Além de alguns familiares, havia uma média de 5 amigas com um somatório de no mínimo 460 anos...
Até ai tudo bem, fui para o quarto com o intuito de dar mais privacidade e botarem o papo em dia... Não pude deixar de esquecer meu ouvido no cômodo ao lado (confesso! Adoro ouvir conversas alheias). Quase peguei o aparelho de surdes da minha queria tia, mas me contentei em sentar na ponta da cama, ao lado da porta.
Nossa, que experiência fantástica! Ouvir histórias que vão de narrativas das arriscadas aventuras de segurar a mão do namoradinho, até aquelas mais ousadas que iam para trás da igreja com o parceiro durante a missa “medo.com”, houve risos e depois um som que identifiquei ser algo semelhante a um nebolizador. Fiquei sabendo que há uns 75 anos elas tiveram uma professora de história, D. Edenilse HasketiAlgumacoisa, uma senhora muito simpática (adjetivo acrescentado por mim) que ensinava segurando uma régua de madeira de 50cm (acreditem quando eu digo que a intenção desse artefato não era apontar algo no quadro)... Pausa para a fofoca: ela tinha um caso extra-conjugal com o professor de física, mas não crio esperanças que essa notícia vá sair na próxima edição da revista Tititi.
Descobri também que aquilo que nossos pais sempre nos contavam sobre levar pão com mariola e uma paçoca de merenda era verdade e que a vida era mesmo mais difícil como eles sempre diziam.
Parecia um filme com momentos de suspense, aventura, comicidade e claro que ñ podia faltar o drama... O clímax foi recheado com as lembranças das outras amigas que não estavam mais entre elas...
- “Outro dia encontrei na rua o neto da Rutinha... nossa como ele está crescido (soluços) ela ia ter orgulho dele (soluços) virou adevogado!” (soluços e risos, os risos de minha parte, claro).

Bom, para essas senhoras uma homenagem, e para outros velhos de 20 e poucos anos lá vai um texto que eu gosto muito. Foi escrito por Affonso Romano de Sant’Anna em 1987.


Envelhecer: com mel ou fel?


Conheço muitas pessoas que estão envelhecendo mal. Desconfortavelmente. Com uma infelicidade crua na alma. Estão ficando velhas, mas não estão ficando sábias. Um rancor cobre-lhes a pele, a escrita e o gesto. São críticos azedos, aliás, estão ficando cítricos sem nenhuma doçura nas palavras. Estão amargos. Com fel nos olhos.

Envelhecer deveria ser como plainar. Como quem não sofre mais (tanto), com os inevitáveis atritos. Assim como a nave que sai do desgaste da atmosfera e vai entrando noutro astral, e vai silente, e vai gastando nenhum - quase combustível, flutuando como uma caravela no mar ou uma cápsula no cosmos. Os elefantes, por exemplo, envelhecem bem. E olha que é uma tarefa enorme. Não se queixam do peso dos anos, e nem da ruga do tempo, e , quando percebem a hora da morte, caminham pausadamente para um certo lugar - o cemitério dos elefantes, e aí morrem, completamente, com a grandeza existencial só aos sábios permitida.
Os vinhos envelhecem melhor ainda. Ficam ali nos limites de sua garrafa, na espessura de seu sabor, na adega do prazer. E vão envelhecendo e ganhando vida, envelhecendo e sendo amados, e, porque velhos, desejados. Os vinhos envelhecem densamente. E dão prazer.
O problema da velhice também se dá com certos instrumentos. Não me refiro aos que enferrujam pelos cantos, mas a um envelhecimento atuante como o da faca. Nela o corte diário dos dias a vai consumindo. E no entanto, ela continua afiadíssima, encaixando-se nas mãos da cozinheira como nenhuma outra faca nova.
Vai ver, a natureza deveria ter feito os homens envelhecerem diferente. Como as facas, digamos, por desgaste, sim, mas nunca desgastante. Seria uma suave solução: a gente devia ir se gastando, se gastando, se gastando até se evaporar. E aí iam perguntar: cadê fulano? E alguém diria: gastou-se foi vivendo, vivendo, e acabou. Acabou, é claro, sem nenhum gemido ou resmungo.
(..)
A literatura tem lá seus personagens-símbolos a esse respeito: o Fausto e Dorian Gray. Apavorados com a velhice e a morte, venderam a alma ao diabo, e em troca pediram a juventude de volta. Não deu certo. O diabo não joga para perder. Dizem que a única vez que foi realmente derrotado foi naquela disputa com o próprio Deus a respeito de Jó. Mesmo assim, deu um trabalho danado.
Especialistas vão dizer que envelhece mal o indivíduo que não realizou suas pulsões eróticas assenciais; que deixou coagulada ou oculta uma grande parte de seus desejos. Isto é verdade. Parcial porém. Pois não se sabe por que estranhos caminhos de sublimação, há pessoas que, embora roxas de levar tanta pancada da vida, têm, contudo, um arco-íris na alma.
Bilac dizia que a gente deveria aprender a envelhecer com as velhas árvores. Walt Whitman tem um poema onde vai dizendo: " Penso que podia viver com os animais que são plácidos e bastam-se a si mesmos".
Ainda agora tirei os olhos do papel e olhei a natureza em torno. Nunca vi o sol se queixar no entardecer. Nem a lua chorar quando amanhece.
(SANTANNA, Affonso R de. Coleção melhores crônicas. SP: Global 2003)


Espero que tenham gostado, bjs e téterça.

4 comentários:

Gaio! disse...

Gostei!!! Gostei muito! Eu acho que devido à educação ortodoxa que tive, bem reprimida sexualmente, não envelhecerei tão bem... ahahahahah "então..."

Lívia Pinho disse...

vou envelhecendo bem até agora... hahaha...

Fiuzza? disse...

Como é Gaio? Reprimida sexualmente?
A.D.O.R.O.
Quem não te conhece que te compre...
"Então..."

George Luis disse...

Então ...
rs
Ah, tá, foi só pra entrar na brincadeira.

Acho que vou envelhecer bem. Tenho muitos amigos mais velhos (mulheres na maioria) e vejo-as tão bem. Uma delas me disse que parar manter a alma jovem precisamos sempre estar apaixonados e em aprendizado. Quem não tem tesão pela vida ou cansou-se de aprender, já envelheceu faz tempo.