sábado, 29 de agosto de 2009

Autistando

A coluna "Desresbunda" não será publicada mais esse sábado. Para não deixar o espaço vazio me meti a besta e escrevi um conto. Espero que gostem.

E desejou, de repente, que tudo não passasse de um sonho.
No céu não havia mais estrelas, na praia não havia mais mar. Tudo que via diante de seus olhos pareciam apenas fragmentos do todo que já fora um dia. Estava sozinha e o travesseiro ao lado começava a perder o cheiro. À noite, sentia mais frio que o de costume. O corpo quente que repousava a seu lado não estava mais lá.
Onde havia errado? Ou acertado demais?
Não existia resposta. Não estava mais lá quem poderia responder. Fora-se levando todo pedaço de memória, todo cheiro, toda roupa dos cantos da casa. E junto levou a música, o riso, o chão... E o que não levara não tinha a mesma forma. A comida perdera o sabor, a água o frescor.
Como havia sido boba. Achando que tudo seria para sempre. Não prestava atenção nas melodias. “O pra sempre, sempre acaba” tocava no som. Pegou uma escova e começou a se pentear. Alisava os cabelos, acariciando-os. Alisava o corpo para espalhar o hidratante, amaciando-o. Escolheu a melhor roupa, subiu no salto alto. O cabelo preso no topo da cabeça.
Acendeu um cigarro rezando para que o relógio adiantasse o ritmo. 23h10. Apagou o cigarro. Pegou o batom vermelho. Desenhou os lábios deixando-os voluptuosos. Olhou-se no espelho. Vermelho caia bem com poucas pessoas. Era, definitivamente, uma delas. Ajeitou a sombra nos olhos, delineou os cílios.
A mágoa começava a escorrer diante da imagem que via no espelho. Era uma mulher bela. Merecia o mundo e o amor de qualquer homem que quisesse. E tinha o amor de muitos. De quem pudesse pagar pela sua “presença”.
Acendeu um cigarro. Deu uma última olhada no espelho. 00h. Pegou uma pequena bolsa e partiu para o trabalho. Parou na primeira esquina vazia. Acendeu outro cigarro. Pensou que precisava parar de fumar. Pensou em jogar o cigarro fora. Pensou que aquela não era a melhor hora.
Parou um carro a seu lado. Perguntou qual era o preço. Ela respondeu. Entrou no carro. 00h30. Desceu do carro e voltou para a esquina. A noite tinha começado bem. Serviço pouco.
00h45. Parou um carro a seu lado. Perguntou qual era o preço. Ela respondeu. Entrou no carro. Um rapaz bonito, um bom terno, um belo carro. Dinheiro na carteira. Convidou-o para seu apartamento. A noite prometia terminar bem. Deliciou-se nos lábios, no cheiro. Terminou. Fez um café. Fumaram dois cigarros. Conversaram. Deitaram. Deliciou-se nos lábios, no cheiro.
Ele levantou sem acordá-la. Vestiu o terno de marca. Penteou o cabelo. Calçou o sapato. Deixou o dinheiro na cabeceira. Saiu.
Ela acordou. E desejou, de repente, que tudo não passasse de um sonho. Estava sozinha e o travesseiro ao lado começava a perder o cheiro. À noite, sentia mais frio que o de costume. O corpo quente que repousava a seu lado não estava mais lá.
Pegou uma escova e começou a se pentear. Alisava os cabelos, acariciando-os. Alisava o corpo para espalhar o hidratante, amaciando-o. Escolheu uma roupa qualquer e uma sandália rasteira. O cabelo solto emoldurando o rosto.
Acendeu um cigarro rezando para que o relógio adiantasse o ritmo. 10h. Saiu de casa. Pegou um ônibus. Desceu oito pontos depois. Entrou em um prédio arrumado. Em uma sala limpa. Sentou esperando. Entrou e se ajeitou no divã. E soltou as frustrações. 11h. Saiu da sala. Acendeu um cigarro. Concluiu. Puta, bela, carente. Pelo menos até o próximo cliente.

4 comentários:

Ana Leticia Ribeiro disse...

Quem era o psicanalista da puta?
Que peeena dessa puta... por isso se desvirtuou... hahahaha

Melina disse...

esse blog ta se perdendo heeein... n postaram sabado passado, n postaram essa sexta... tsc tsc tsc..

Lívia disse...

muito bom o texto! mas o que houve com a coluna da carol? acabou??

Fiuzza? disse...

Parabéns pelo texto:
Adorei a idéia...
Digno de uma esquete!
Husahusauhsuahsuahuhs
Tão bom que poderia ter
sido escrito por mim. rs