quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Falando Sério

Na aula de Introdução ao Fotojornalismo assistimos a um documentário chamado "Morrendo para contar a história", sobre um fotojornalista, o Dan Eldon. Fiz esse texto inspirado no documentário. Espero que gostem.

A máquina captura o cheiro da morte. Quase posso senti-lo penetrando em minhas narinas. Toma formas sub-humanas, corpos espalhados pelo chão rodeados de poças de sangue. E a multidão que passa sem se importar. Alguns poucos se ajoelham e choram ao lado dos montes. Tentam, em vão, resgatar uma vida que já não existe mais. E sem mais, nem menos embarcam juntos pela viagem ao reino de Hades. São vítimas da miséria, da guerra, da fome, do desprezo mundial.
Ignorados, isolados... São lançados a própria sorte. E, se tiverem sorte, recebem alguma pouca ajuda em comida. Precisam estar sadios para morrer baleados, estuprados, queimados, apedrejados, arrastados...
Às vezes sinto-me como um urubu. Cercando os corpos caídos, tentando pegar o melhor pedaço – o melhor ângulo. Uso minha máquina para me aproximar do fato e me distanciar dos sentimentos. É como se visse as coisas do lado de fora da jaula de um zoológico. Um zoológico de homens aprisionados em seu próprio sofrimento. Carregando crianças raquíticas em trapos de pano amarrados em torno do pescoço. Rumando feito gado para um destino quase “infugível”. Aguardam, sem dignidade, o golpe fatal. De olhos abertos, tentando viver.
E eu aqui. Aclamado enquanto herói. Não sou herói. Posso sair daqui na hora que eu quiser. Mas algo me prende. Uma vontade de montar uma grande tela do drama de seres humanos esquecidos pelo mundo. Inspiro-me em “Guernica”, de Picasso. Minhas fotos são quase arte do cubismo. Corpos já sem formas humanas. Apenas pedaços, restos. Arte da tragédia humana. Dizem que certas pessoas têm que fazer certas coisas. Eu tenho que fazer isso.
É preciso mostrar ao mundo o que essas pessoas vivem. Posso parecer duro, frio. Mas, ao deitar a cabeça no travesseiro à noite, essas imagens extrapolam a câmera e penetram a minha mente. Tira-me o sono, a tranquilidade, o juízo. Tente dormir a noite tendo corpos espalhados pelo seu quarto. Com a morte rondando os seus passos, os seus gestos, os seus cliques.
Clique. Mais um morto. Clique. Boom. Mais vários mortos. Sinto como se meu próprio sangue jorrasse a cada foto que tiro. É como se um pedaço da minha vida escorresse pelos meus dedos, ultrapassasse a lente e penetrasse algum corpo inerte. Naquela película, um pedaço da vida humana se desenha. É uma existência contada em uma única foto. Desde a infância sofrida marcada pelas mãos calejadas, pelo corpo esquelético aos dias atuais de desespero contados no vazio dos olhos. A morte desenha-se nas roupas sujas e sujas de sangue. Como se uma poeira a mais em um traje que um dia sonhou em ser branco.
Mas não me sinto morrendo. Sinto-me vivendo para cumprir um papel maior que eu algo. Algo que extrapola minha vontade. Quando penso em ir embora meu coração me prende a essas histórias que passariam despercebidas se minha película não as mostrasse ao mundo. Faço foto-livros da vida dos outros e, por consequência, da minha própria vida. Vivo por isso. Não existe foto que valha a minha vida. Mas existem vidas que se equiparam em importância a minha vida. E por essas vidas permaneço aqui mesmo podendo ir.
São vidas esquecidas, desprezadas, menosprezadas. Ignoradas por algum burocrata atrás de uma mesa, que chega em casa na hora do jantar e encontra a família reunida a mesa com um sorriso nos lábios e roupas novas no corpo.
Espero dar essa cena a outras famílias. Essas esquecidas por todos. Talvez um dia minha história vire um filme, palco menor para a verdadeira tragédia. A que contei em minhas fotos. Vivi para contar histórias. Morri contando uma. Talvez tenha valido a pena.

3 comentários:

Luka disse...

Também tenho um texto sobre esse filme... Grande Dante hauah

Lívia disse...

sen-sa-cio-nal!

Giulia Gomes disse...

CARA
FUI ATÉ GROSSA COM A MINHA MÃE QND ELA ME INTERROMPEU A LEITURA =X
to arrepiada!!
mto foda!!
agora vai c sentir pra sempre!!!!!!!
enfim...
sem palavras...